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O Diário da Jovem Galaxy. Ficção Científica. Scifi 21

Publicado pela Mafra Editions nas plataformas digitais, "O Diário da Jovem Galaxy já conquistou milhares de leitores."

Galaxy é uma jovem habitante do planeta Terra, mas de um tempo futuro (século XXIII de nossa era). Em seus relatos, ela nos dá um panorama de como é a vida no planeta praticamente dois séculos depois de nosso tempo. Galaxy nos mostra que a atividade humana reduziu a Terra a um local de caos e natureza rara. As cidades, por exemplo, assim como as praias, estão praticamente todas submersas, o que obriga os seres humanos a morarem em residências adaptadas sobre as águas. Grande parte das mulheres se tornam inférteis, a cultura mudou, bem como o comportamento social.

Em meio a seus relatos, Galaxy fala também sobre sua vida pessoal, como a vontade de visitar uma das poucas praias naturais do mundo, e, depois de realizado esse sonho, o descobrimento do amor através do jovem Andrômeda.

 

Planeta Terra

Século XXIII

Meu nome é Galaxy. Um dia aqui foi o litoral, e a centenas de metros abaixo dos prédios onde eu moro estão as cidades submersas. Nossos antepassados devem ter se perguntado como seria viver em uma cidade submersa. E nós, hoje, nesse futuro, nos perguntamos como seria viver em um mundo onde existiam praias, penínsulas, areia, árvores e animais. Porque agora essas coisas são raras e algumas até extintas.

Eu gostaria tanto de conhecer uma praia de verdade, mas as poucas que ainda existem estão tão longe, e somente os mais ricos ou aqueles que juntam dinheiro uma vida inteira podem pagar para entrar nelas.

As praias dos shopping centers são artificiais e não têm graça como aquelas que eu vejo nas imagens antigas dos séculos passados. Nunca serão as mesmas, como uma praia de verdade. O mar artificial é tão raso, um mar sem peixes, sem algas, sem nada. Confesso que, para mim, que já estou acostumada, não é tão assustador viver nesses prédios altíssimos cercados por água. Se ainda essa água fosse potável, tudo seria melhor.

Olhando suas fotos e imagens antigas, eu penso que meus antepassados ficariam atemorizados de viver nesse mundo de hoje, que eles mesmos ajudaram a construir. Apesar de tudo, eu amo andar nos carros voadores movidos a hidrogênio.

Quanta ironia! A humanidade esperou esgotar todo combustível fóssil, esperou a energia nuclear destruir parte do mundo em grandes desastres para, só depois disso, utilizar energia limpa e segura. Sinceramente, não consigo entender a lógica de raciocínio da civilização antiga do século XX.

Não! Não é tão fácil passear de carro e ver os mais pobres e miseráveis amontoados nos altos dos morros e montanhas em seus barracos de tijolos velhos. Pior ainda é quando eles morrem de frio ou de calor. Sem estações definidas, num dia faz muito frio e no outro faz muito calor.

A vida agora não é ao ar livre, passamos a maior parte do tempo em locais fechados e protegidos, com aquecedores e aparelhos de ar condicionado. Mas nos barracos não existem máquinas. E tudo prossegue assim: centenas nascem, centenas morrem e alguns sobrevivem. O governo até tentou construir galpões coletivos refrigerados para esses pobres excluídos, porém nem todos têm acesso a eles.

Por mais banal que seja para alguém do século XXI, eu gostaria muito de ter conhecido também uma lavoura, e poderia ser de qualquer alimento. Eu olho as fotos do passado e sinto vontade de estar naqueles campos e plantações que hoje não existem mais.

Depois que a agricultura se tornou impossível por causa da contaminação do solo pela energia radioativa, produzimos a maioria dos alimentos em estufas ou sinteticamente nos laboratórios. Aqui quase tudo é artificial, até os animais. Embora eu goste dos zoológicos virtuais e dos animais robôs, eu faria qualquer coisa para ver um animal de verdade de perto e tocá-lo, ainda que fosse somente um rato. Não tenho nenhuma pretensão de tocar num leão ou em um cachorro, por exemplo; aí já seria sonhar demais! Penso que um simples pássaro já me vislumbraria.

Às vezes passo horas vendo fotos e imagens dos séculos passados, e é tão difícil acreditar que os animais moravam com as pessoas em suas casas. Isso parece até coisa de outro mundo. Os poucos animais que restaram agora são mantidos em cativeiro, em zoológicos, mas as entradas são tão caras que, assim como as praias, somente os mais ricos podem pagar. A entrada em um zoológico é agendada, e é permitida somente uma vez por ano por pessoa. Alguns os visitam apenas uma vez na vida. Eu mesmo nunca fui em um.

Sinto inveja das mulheres do passado, com aqueles longos cabelos, de todos os tipos e tamanhos. Quando a água potável passou a ser escassa no mundo, por lei todos os seres humanos foram obrigados a raspar seus cabelos. Passou a ser proibido ter cabelo, e essa lei permaneceu até hoje como símbolo de que jamais desperdiçaremos uma gota sequer de água em uma atividade tão supérflua como lavar os cabelos.

Engraçado, somos a geração dos carecas! Usamos perucas coloridas, mas eu detesto essas perucas, elas me dão alergia, então só as uso para sair de casa. Minha cor favorita é azul. Jamais terei longos cabelos para balançá-los ao vento. Até o fim de minha vida, passarei limpando minha cabeça com produto nanorrobótico!

PLANO DE FÉRIAS

 

 

Papai estava economizando dinheiro para visitarmos a praia no meu aniversário de dezesseis anos. Ele disse que daqui a um ano já teremos o dinheiro para começar a pagar as entradas. Na verdade, meu pai está economizando desde o dia em que eu nasci. Vamos logo que as férias começarem, e vai ser tão legal!

Não vejo a hora de encostar minhas mãos na areia e meus pés na água. O horizonte é tão lindo pela tela holográfica! Deve ser mais lindo ainda pessoalmente. E não é só isso: dizem que essa praia é cheia de coqueiros, palmeiras, verdes e lindos! Quero aproveitar o tempo todo para mergulhar em cada onda. Talvez essa seja mesmo a única vez na minha vida em que eu estarei lá.

OS EXAMES

 

 

Estive lendo os exames antigos da minha mãe. Coisas tristes aconteceram com ela. Mesmo não gostando de falar sobre esse assunto, mamãe nunca me escondeu nada. Meus três irmãozinhos mais velhos morreram, nasceram todos anencéfalos. Só eu sobrevivi, por isso sou filha única.

Aliás, a maioria das crianças que nascem hoje de modo natural são anencéfalas. A maior parte das crianças saudáveis são geradas artificialmente em laboratórios de reprodução humana, já que mais da metade das mulheres hoje no mundo são estéreis. Eu também sou estéril, mas não fico triste por causa disso. Quando mamãe me levou ao médico, eu já sabia dessa realidade. Afinal, hoje ser estéril é uma coisa tão normal.

Não tenho e nunca tive mesmo o sonho de me casar e ter filhos. Aliás, se algum dia eu quiser pagar por uma gestação artificial em um laboratório, tenho que juntar dinheiro por pelo menos uns quinze anos. Custa muito caro e eu não sou rica.

Outra possibilidade também muito cara, porém mais barata que o laboratório, é contratar outra mulher como barriga de aluguel. As poucas mulheres saudáveis capazes de gerar crianças vivas e também saudáveis são muito ricas, pois ganham a vida gerando filhos para casais ou pessoas que encomendam uma criança. Mamãe tem uma amiga que é barriga de aluguel, e essa amiga ganha muito dinheiro com isso, é muito rica. Ela já gerou mais de dez crianças encomendadas, e nenhuma delas nasceu anencéfala.

A PRAIA

Enfim chegou meu aniversário de dezesseis anos e a tão esperada viagem para a praia. Hoje foi meu primeiro dia nesse lugar que eu tanto desejei conhecer. Foi a maior emoção da minha vida. Eu toquei nas palmeiras e nos coqueiros. Quando eu senti minhas mãos tocarem em uma árvore pela primeira vez, foi uma sensação maravilhosa. Toda aquela paisagem, os pássaros e o barulho do mar fizeram parecer que eu estava em outro mundo.

Logo que cheguei, nem entrei no hotel, fui direto para a areia. Rolei, rolei, me sujei bastante com aqueles grãos amarelinhos e quentinhos. Depois corri em direção ao mar e me joguei naquelas águas. Não saí mais de lá até o anoitecer. Mergulhei em todas as ondas. Tinha bastante gente na água, aliás, na praia toda.

Aqui no hotel está tudo tranquilo, estou num quarto só para mim! E da minha janela posso ver o oceano.

Logo que eu e meu pai chegamos no hotel, recebemos trinta comprimidos cada um, para tomarmos dois ao dia durante as duas semanas em que estivermos aqui. O remédio é para proteger nosso organismo dos raios solares. Depois das explosões de bombas nucleares ao fim do século XXI, a atmosfera terrestre nunca mais foi a mesma! Em alguns lugares do planeta temos até que usar capacetes ao ar livre para podermos respirar.

Amanhã quero aproveitar muito mais a praia. Estou mesmo muito entusiasmada em poder estar perto da natureza.

A PRIMEIRA PAIXÃO

Nesses últimos três dias eu conheci um rapaz. O nome dele é Andrômeda. Essa também foi a primeira vez dele aqui na praia. Nós brincamos juntos no mar, fizemos castelos de areia e corremos por entre os coqueiros e as palmeiras. Coisas de criança! Mas, em um lugar tão lindo como esse, todo adulto vira criança. Temos que aproveitar ao máximo esse tempo nesse paraíso natural.

Eu e ele conversamos muito sobre vários assuntos. Descobrimos que temos muitas coisas em comum, entre elas aquilo que já é de praxe: sonhamos com uma vida plena de riquezas naturais, plantas, animais, praias de graça para todos irem quando quiserem, etc.

Andrômeda também gosta de música antiga, de há mais ou menos uns duzentos anos atrás. Concordo que as músicas dos séculos XX e XXI eram muito melhores do que as de agora, pois tinham mais significado. Eram até românticas. Hoje as músicas praticamente não dizem nada, não têm letra, são simplesmente sons, batidas eletrônicas, quase sem o uso de instrumentos musicais. Um dos estilos antigos que eu mais gosto é o rock, principalmente o romântico!

Eu tenho mais de 100 mil músicas gravadas em meu ponto eletrônico. É uma pena que hoje não exista mais essa manifestação da cultura. Adoro assistir às gravações antigas das pessoas animadas pulando no que eles chamavam de shows. Hoje só resta a lembrança desse passado tão distante! Muitos jovens no mundo e muitos dos que eu conheço acham o rock ridículo e idolatram os sons puramente eletrônicos, mas eu não.

Até confesso que gosto de muitas músicas eletrônicas de hoje, algumas são bonitas, principalmente aquelas que simulam explosões cósmicas. Mas nem por isso se deve desprezar a cultura de nossos antepassados.

Amanhã vou acordar bem cedo. Quero aproveitar cada minuto na companhia do meu novo amigo Andrômeda. Bom, confesso que, além de “atômico”, ele é muito, muito lindo. O sorriso dele, os seus olhos, enfim, tudo nele combina com a natureza. O azul dos seus olhos combina com o mar e sua pele clara e macia com algo que eu ainda não conheço: a neve.

Andrômeda é minha primeira paixão. Nesse último dia na praia, enquanto caminhávamos à beira-mar, ele me beijou. Sentir o amor de um homem em meio à natureza foi a sensação mais linda que tive até agora em minha vida. Se fosse possível, eu reviveria esse instante milhões de vezes.

AS CIDADES SUBMERSAS

Já estou em casa. Os dias na praia foram maravilhosos. Quero voltar lá algum dia, por isso até já comecei a juntar dinheiro, para que daqui a uns dez ou quinze anos eu possa estar lá novamente.

O Andrômeda é mesmo muito “atômico”. Ele prometeu que virá me visitar assim que estiver de férias de novo. Assim como eu, ele também mora sobre as ruínas de uma cidade submersa. Ele mora onde um dia foi a cidade de Santos, litoral de São Paulo.

Falando nisso, no ano que vem vou a uma excursão em um navio submarino. Provavelmente o Andrômeda me acompanhará em mais uma aventura com meus pais. Agora ele é meu amor. Vamos visitar algumas cidades submersas no hemisfério norte, entre elas Nova York. É a primeira vez que vou para lá. Dizem que foi uma cidade incrível. Estou curiosa para conhecer a Estátua da Liberdade. Somente a cabeça dela e seu braço com a tocha estão para fora, o resto está debaixo d’água.

Assim também está a estátua do Cristo Redentor, que, mesmo tendo sido retirada do Corcovado há décadas, foi também submersa. Ambas as estátuas foram revestidas com uma substância especial transparente para não serem destruídas pela água contaminada que as submergiu.

 

Jamila Mafra 

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